segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Depois da Vida

Passei a mocidade esperando dar-te um beijo
Sei que agora é tarde, mas matei o meu desejo
É pena que os lábios gelados como os teus
Nao sintam o calor que eu conservei nos lábios meus

No teu funeral estás tão fria assim
Ai de mim, e dos beijos meus
Eu te esperei, minha querida
Mas só te beijei depois da vida

Nelson Cavaquinho
foto: Marta Bucher

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Istamblues

deu na tevê, algo que você
nunca deve ter visto,
nem antes, e nem mesmo,
depois de Cristo.
deu na tevê, algo que você,
deve ter achado falso,
ou pensado, quem diria:
na Turquia, um papa descalço
rezando com Santa Sofia.
todo paradoxo será perdoado,
pode um padre budista,
ou um rabino trapista.
deve ser aceita,
toda e qualquer seita
da forma que ela exista.
o que deu na tevê,
você já deve saber,
que Deus ali é Alá,
de norte a sul,
e além também.
o que eu vi na tevê?
Roma de frente pra Meca,
naquela Mesquita Azul.
o mundo dizendo amém
de frente pra Istambul.

m.
foto: Rui Miguel Pereira

sábado, 13 de dezembro de 2008

"Há de novo
o futuro
outro bote
no escuro
outro barco
com furo
outro mar"

Erickson Luna
foto: Paulo Cesar

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

giracéus

um sonho com jeito
um tanto suspeito,
invade meu peito,
sem fazer alarde.
voando apressado,
um sonho com medo
de chegar atrasado,
no meio da tarde
da minha janela,
da minha retina,
que coisa mais bela,
a coisa mais fina.
um mar de aquarela
dançando no céu,
uma nuvem cigana,
Van Goghs ao léu.
a todo instante,
Monalisas sorrindo
um girassol gigante.
um sonho com jeito
um tanto suspeito,
invade meu peito,
sem fazer alarde.
voando apressado,
percorre meu corpo,
entra na meianoite
e sai à francesa,
pelo meiodia.
no melhor da festa,
cantando Lorena,
Luis Melodia:
“Azarro, alfazema”
e o sonho apressado
de alma pequena,
sequer esperou
pela fotografia.

m.
foto: Hugo Tinoco

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

[...]

[...]

-como tu me vê?
-como um poema.
-me explique!
-doce, linda, inteligente...
vejo como gente
-é sério.
-gente que gosta de rir, de chorar..
tô falando sério.
gente que dá gosto na gente!
de inovar, de improvisar
[...]
3 dias bastam pra se apaixonar...
.
[...]
.
msn
foto: Streetdog

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

...

dúvida
sem fim:

não sei
se te levo comigo

ou se te deixo
em mim.

na verdade, não tenho dúvidas... vc, tita, não sai de mim! e eu gosto disso. :)
mister m

foto: Gilberto Figueiredo

domingo, 30 de novembro de 2008

É

É muito mais que “fato” o que vou dizer:
Vem do coração o que me sai da boca,
Pois o que sinto é o que me leva a crer
Que tudo isso não é apenas paixão louca.
.
Se para fazer o pão é necessário o trigo,
O amor é o fermento que o faz crescer.
É nesse amor que encontro o meu abrigo,
E como desse pão para sobreviver...
.
Só ele me faz forte ao caminhar
Com a alegria de um amanhecer,
Tornando-me bem leve o respirar
.
E me leva aos quatro cantos para dizer,
O “fato” prometido ao começar:
Eu te amo, e não quero nem saber!
.
pois é, eu acho mesmo que te amo!
mister m
foto: Sofia Azevedo

sábado, 29 de novembro de 2008

Nós


É o que somos
Nós dois
Dois nós
Dois sãos, assim
Em si, um não
E a sós
Dois sóis, assim
Enfim, é o fim
Quando somos
Nós dois afim

tô afim de vc!
mister m.
Foto: Nuno S. Teixeira

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

leito e deleito

quero morrer
deixar a fama
morrer
com o nome na lama
sem aviso
nem telegrama
quero morrer
de ardor
furtar a cor
cessar a chama
deus que me valha
ou dalai lama
quero morrer
sem drama
de fraque
ou pijama
no meio da trama
do melodrama
quero morrer
à meianoite
ao meiodia
em plena folia
ou de um jeito
bem bacana

eu morreria
mil vezes de amor
na tua cama


eita... que tita ta me fazendo um bem que ninguém fez... = MEDO, ela num pode! :(
mister m.
foto: Gustavo Lucian

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

POEMAMBIGUO

quando a ordem
é do destino

não condeno
não reprimo

não cismo
nem adulo

foi abismo
eu pulo
acho que estou me encontrando em vc... "L" tipo, "...teu corpo combina com meu jeito..." um dia, num belo dia quem sabe a gente se encontra...
mister m.
foto: Carla Bento

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

desvão

Desencontrar-te
Num pulsar
De breves dores

Desenho em arte
Num calar
De sete cores

Despir-te em versos
Num falar
De leves noites

Desconcertar-te
Num olhar
De cenas vivas

Desfalecer-me
Nesse eco
Sem teu nome

m.
foto: Filomena Chito

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Aquarela

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo...

Corro o lápis em torno
Da mão e me dou uma luva
E se faço chover
Com dois riscos
Tenho um guarda-chuva...

Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu...

Vai voando
Contornando a imensa
Curva Norte e Sul
Vou com ela
Viajando Havaí
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Branco navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul...

Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar...
Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar...

Numa folha qualquer
Eu desenho um navio
De partida
Com alguns bons amigos
Bebendo de bem com a vida...

De uma América a outra
Eu consigo passar num segundo
Giro um simples compasso
E num círculo eu faço o mundo...

Um menino caminha
E caminhando chega no muro
E ali logo em frente
A esperar pela gente
O futuro está...

E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença
Muda a nossa vida
E depois convida
A rir ou chorar...

Nessa estrada não nos cabe
Conhecer ou ver o que virá
O fim dela ninguém sabe
Bem ao certo onde vai dar
Vamos todos
Numa linda passarela
De uma aquarela
Que um dia enfim
Descolorirá...

Numa folha qualquer
Eu desenho um sol amarelo
(Que descolorirá!)
E com cinco ou seis retas
É fácil fazer um castelo
(Que descolorirá!)
Giro um simples compasso
Num círculo eu faço
O mundo
(Que descolorirá!)...


Composição: Toquinho / Vinicius de Moraes / G.Morra / M.Fabrizio
foto: nielsen gomes

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

surrealidade virtual

nem toda Hiroshima rima
com flores, nem amores.
nem toda primavera clima,
nem todo monte Everest,
nem toda chuva
cai bem em Bangladesh.
nem toda Hiroshima rima
com qualquer matéria,
seja ela irmã ou prima.
nem toda Gana é fome,
nem todo muro China.
quero mudar de nome,
quero mudar de idéia,
vou morar num bordel
lá em Pompéia,
e que venha o dilúvio,
quero me abrigar
aos pés do Vesúvio.
nem toda Hiroshima rima
com flores, nem amores.
nem toda chuva é ácida,
nem toda música clássica,
Ludvig Beethoven era surdo,
Arthur Rimbaud ficou louco,
Dolores Duran,
durou muito pouco,
Freud e Lacan
deitavam no mesmo divã.
chose de loque, Bono Vox,
deu no jornal, usou botox
made in Bangcoc.
nem toda Hiroshima rima
com flores, nem amores.
a partir de amanhã,
não vou sair de casa,
só vou sair de moda.
amanhã serei chique:
um nobre francês,
do século dezesseis
desfilando na fashion-week.
nem toda Hiroshima rima
com flores, nem amores.
nem toda rosa é Rilke,
nem toda pessoa Fernando,
nem todo Augusto é dos anjos,
nem todo domingo de ramos,
Graciliano era ateu,
antes ele do que eu.
Florbela sempre cai bem
na minha lapela,
ou nos olhos de alguém.
nem toda Hiroshima rima
comigo, com você,
com este poema sem arte,
que quis parecer Dali,
embora René o descarte.


m.
imagem:
Man Ray - Willem den Broeder

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

a pele muda

quero te contar
um segredo
em braile.


dá-me então teu corpo,
que está tudo aqui,
na ponta dos dedos.

m.
foto: André Salcedo

terça-feira, 28 de outubro de 2008

lume era


era um amor tão bonito,
até parecia valer a pena,
aquele amor tatuado,
suado amor, de dor amena.
aquele amor infinito,
pleno de planos,
ausente de enganos.
um verso valsificado,
que já foi Tango,
Foxtrot, e virou Fado.
nessa viagem,
aquele amor longa metragem
teve vida curta,
um mero meteoro
pela noite apressado,
e tudo dele que restou:
esse desenho desanimado.

m.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

come on

conserta essa asa, meu bem,
vê se passa aqui em casa,
vem, vem ver como dorme
essa minha epiderme,
traz a tua, alisa minha,
deleite do meu update,
faz do meu coração
underground um degrau,
faz uma canção, um recital,
que tal um blues, um bolero,
morrer de você é tudo
aquilo o que eu mais quero.
esquece a gravidade da lei,
flutua nua em pêlo meu jardim,
desbrava meu novo planeta,
antes que essa lua cometa
aquele crime de lesa-alma:
um arakiri dentro de mim.
vem, meu bem, sem calma,
vem deitar na minha lama
a sós com os meus lençóis,
vem, que eu faço de você
a mais bela tela de Monet,
ou quem sabe um Kandinski
concretamente abstrato,
ou um hai-kai de Leminski
do nosso tato imediato.
conserta essa asa e vem,
vê se passa aqui em casa,
essa noite nem vou sair,
vem desligar da tomada
o eco dessa tua risada
que não me deixa dormir.


m.
foto: Júlio Riccó

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Os Três Mal-Amados

Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.

será que ela vai conseguir esse feito!? de fazer o amor comer... "pois que coma tudo, se o caso for!"
As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.
.
foto: Antonio Martins

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Se

E se você quiser
Posso dar um jeito de ser
O que você quiser
Para lhe fazer feliz
E assim, se frio fizer
Em sol me viro
Se você quiser...
E no calor serei a neve
E se chover, deixo lhe molhar
Se você quiser...
E se doer, faço passar
Se não passar, passo pra mim
Se você quiser...
E se chorar, serei seu lenço
E se cair, lhe dou a mão
Se você quiser...
E se sentir medo, eu protejo
E guardo até segredo
Se você quiser...
E se esquecer, eu lembro
E não me permito falhar
Se você quiser...
Uma música
Uma noite
Uma piada
Um sorvete
Um ombro
Um sorriso
Um beijo
Um abraço
Posso dar um jeito de ser
O que você quiser
Para te fazer feliz


mister m.
foto: Hugo

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Apagar-me

Apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme.

Paulo Leminsk
Foto: Lena Queiroz


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Roda Viva - trechos

[...] Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu [...]

[...] A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá [...]

[...] A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá [...]

[...] A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou [...]

[...] O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou [...]

[...] Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração [...]

Composição: Chico Buarque
foto: Lenice Barbosa

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

[...]

"A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas".

Clarice Lispector
foto: Salvador Medina

Valeu Mandoca!!!

domingo, 5 de outubro de 2008

Restos de Carnaval

[...] E quando o carnaval ia se aproximando, como explicar a agitação que me tomava? Como se enfim o mundo se abrisse de botão que era em grande rosa escarlate. Como se as ruas e praças do Recife enfim explicassem para que tinham sido feitas. Como se vozes humanas enfim cantassem a capacidade de prazer que era secreta em mim. Carnaval era meu, meu. [...]

trecho de: Restos de Carnaval - Clarice Lispector
foto: João M. Cosme Inês

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A dor do não vivido

Definitivo, como tudo o que é simples. Nossa dor não advém das coisas vividas, mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Por que sofremos por amor?

O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez companhia por um tempo razoável, um tempo feliz.

Sofremos por quê?

Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos, por todos os shows e livros e silêncios que gostaríamos de ter compartilhado, e não compartilhamos. Por todos os beijos cancelados pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada. Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Como aliviar a dor do que não foi vivido?

A resposta é simples como um verso: Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento, perdemos também a felicidade. A dor é inevitável; o sofrimento é opcional.


Carlos Drummond de Andrade
foto: Pedro Moreira

motim

eu quando quero
não espero,
me desespero
quando quero,
não pondero,
eu incendeio,
eu incinero,
repito Roma,
um novo Nero,
eu quando quero
não modero,
me destempero
quando quero,
saio do sério,
eu desagrego,
eu exagero,
rasgo a Ilíada,
insulto Homero,
quando quero
eu me espalho,
eu reverbero,
[noves fora zero]
eu banco o Che,
revoluciono
quando quero
você.

mister m
foto: francisco garret

terça-feira, 30 de setembro de 2008

flor ever

quero ser tudo
quero ser tão
ser mar e mais
quero ser seu
para você flores ser
flor star
flor ever


m
foto: Pedro Casquilho

domingo, 28 de setembro de 2008

SOL MAIOR

O seu sorriso
é uma coisa séria,
a parte mais que perfeita
da sua matéria;
um misto, um mistério
estampado na cara,
um espanto no tédio,
meu santo remédio
essa coisa rara.
Não tem Monalisa
nem Scarlett O´hara,
ninguém jamais
sorriu assim pra mim,
tão mar, tão marfim,
só o seu sorriso
tem esse corte preciso
que faz do improvável
o meu melhor improviso,
e nada mais
se faz tão lindo,
do que você assim
sol rindo.


mister m
foto: dela!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

sentilena

sinto muito, meu amor,
a minha falha memória,
o meu passado sem glória,
todo esse estupor;
o meu estado de choque,
a velha falta de tato,
e minha alma sem retoque,
nunca me deram ibope.
sinto muito, meu amor,
a minha falta de sorte,
o meu futuro sem norte,
esse meu isso ou aquilo,
em tudo que às vezes calo,
verdade, não tenho estilo,
escreva o que eu não digo,
prefiro viver de estalo.
sinto muito, meu amor,
a minha falta de assunto,
o meu dito pelo não dito,
se eu não aprecio Caetano,
nem acho Chico tão bonito,
se o meu cigarro incomoda,
e aquele jeans esquisito
já anda fora de moda.
eu sinto o muito, meu amor,
ah como sinto,
e serei sucinto ao dizer,
que a minha vida,
de tão pequena,
não cabe mais em você.


mister m
foto: Patrícia B

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Condições e conseqüências.

Se os maridos fossem santos,
não havia traição.
Se as esposas fossem mudas,
evitavam confusão.
Se o desejo fosse mutuo,
não seria obsessão.
Se a certeza fosse tanta,
ninguém tinha objeção.
Se o pedido for negado,
haverá reclamação.
Se a verdade fosse dita,
acalmava a situação.
Se a justiça fosse feita,
não cabia apelação.
Se o amor não acabasse,
pra que a separação¿
Se a beleza fosse eterna,
não causava a impressão.
Se o garoto fosse quieto,
gerava preocupação.

Se o lar fosse sagrado,
afastava a tentação.
Se o pecado fosse dito,
consentia o perdão.
Se a fé fosse infinita,
alcançava a salvação.
Se a cruz fosse pesada,
aumentava a redenção.
Se a doença fosse grave,
não bastava a oração.
Se o poço fosse fundo,
não tocávamos no chão.
Se um dia viajasse,
mandaria um cartão.
Se a estrada é comprida,
muita determinação.
Se a passagem for escura,
no final tem um clarão.
Se o caminho é perigoso,
necessita atenção.
Se o destino for traçado,
não permite alteração.
Se a sorte for lançada,
pode dar o azarão.

Se o céu fosse mais próximo,
eu tocava com a mão.
Se as estrelas fossem perto,
eu catava um montão.
Se a batalha fosse ganha,
haveria aclamação.
Se a paz fosse selada,
não vendia o canhão.
Se o jogo fosse empate,
parecia armação.
Se a vitória fosse certa,
não teria emoção.
Se a safra é generosa,
não devia faltar pão.
Se o mar fosse potável,
desviava pro sertão.
Se o pão for dividido,
não terá inanição.

Se a vida fosse fácil, parecia ilusão.
Se o dinheiro tudo compra, vou vender a solidão.


Suelyton Melo
foto: Hugo

sábado, 23 de agosto de 2008

tempo ao tempo

parei de jogar
parei de beber
parei de fumar

só não sei
aonde eu vou
parar
.
mister m
foto: cristina afonso.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

falação

somente tu
sabes como
me causar relaxos
.
quando falas
tua língua
nos meus países
baixos

mister m
foto: Ana Rita Vaz Cruz

sábado, 2 de agosto de 2008

Acontece

Bateram à minha porta em 6 de agosto,
aí não havia ninguém
e ninguém entrou, sentou-se numa cadeira
e transcorreu comigo, ninguém.
Nunca me esquecerei daquela ausência
que entrava como Pedro por sua causa
e me satisfazia com o não ser,
com um vazio aberto a tudo.
Ninguém me interrogou sem dizer nada
e contestei sem ver e sem falar.
Que entrevista espaçosa e especial!

Pablo Neruda
foto: Ana Maria Rocha

terça-feira, 29 de julho de 2008

foto: Rafa




sexta-feira, 25 de julho de 2008

a beautiful day

já quis ser Leminski,
Mallarmé, Baudelaire,
um quadro
em Kandinski,
Macalé, um Pelé,
uma Natasha Kinski,
se fosse mulher;
quem nunca quis,
e quem não quer
ser uma Leila Diniz,
ou Camille Cloudel,
uma Angelina Jolie
com aquela boca,
uma coisa louca!
pois eu já quis
usar Botox,
ser Bono Vox
a beautiful day,
Waly Salomão,
Itamar Assunção,
e até Doris Day.
eu já quis ser Rimbaud,
Alencar, Allan Poe,
qualquer um de Machado,
quis fugir pela África
como o mais procurado;
quis bater em Fidel,
escrever como Gabo,
pra ganhar meu Nobel.
eu já quis clonar,
ser clonado,
ser um super-herói
de brinquedo,
sem ódio, sem medo,
um Chapolim Colorado;
já quis ser ou não ser,
eis a questão,
dentre outras tantas,
ser eu sempre quis,
e nem me importo
em morrer depois dos trinta
num quarto de hotel
de quinta,
mas que seja
em Paris.


mister m
foto: alina maria sousa

segunda-feira, 21 de julho de 2008

isto feito

estufe o peito,
ria na cara
desse sujeito,
o tal efeito
que deixa o sol risonho
muito mais cruel.
buraco na cortina
de ozônio
expondo o céu.
estufe o peito,
empunhe a sua baioneta,
encare os raios,
faça um ultra-buquê
de suas violetas.
nem uvA, nem uvB,
seja mais você!
estie essa chuva ácida,
que chova sobre nós
apenas música clássica:
gotas de Mozart,
temporais de Bach,
invernos inteiros
de Vivaldi ao violino
sobre os canteiros.
estufe o peito,
rasgue a camisa,
aponte aos raios
uma outra direção,
deixe que o aquecimento,
dito global,
invada o quintal
do seu
coração.


mister m
foto: Thaís D'Angelo

quinta-feira, 17 de julho de 2008

vício&verso

meu ofício,
fazer de você
o meu vício.


mister m
foto: alberto ruggiero

segunda-feira, 14 de julho de 2008

[...]

O tempo é o melhor autor;
sempre encontra um final perfeito.

Charles Chaplin
foto: José Lima

sexta-feira, 11 de julho de 2008

*firme, frágil, sutil*

diante de tua ausência
austera,
fria,
vagas deveriam ser as lembranças
contudo,
confesso confuso
que a saudade me invade a cada
vago instante
e deste modo, a cada segundo posso afirmar
firme,
frágil,
que hoje meu maior desejo é recuperar
o teu afeto,
os teus afagos,
e não por acaso, agora
me esforço em comprar
frases,
palavras,
que mal sei o significado
ao amar,
todavia,
é possível descobrir-se capaz, de forma
sutil,
transformar lágrimas tortuosas
em doce poesia
e também,
é possível descobrir

"que ninguém é
auto-suficiente
que não possa
rastejar"

foto: Emerson Barbosa

segunda-feira, 7 de julho de 2008

jardineiro fiel

vou fazer
um estandarte

um monumento
para estampar-te

uma obra de arte
um poema concreto

com as margaridas
que plantei
no teu

jardim secreto



Da cabeça de Múcio L Góes
foto: Francisco Manuel da Costa

sábado, 5 de julho de 2008

[...]

e hoje, quando ele
apareceu,
ela era só breu

e sóbrio eu,
tudo vi,
quando um cigarro acendi

que tristeza,
marina pequena
sol fazia pena


foto: Rosalina Afonso

quarta-feira, 2 de julho de 2008

balada para a bela Inês

me diga
quem foi que disse
essa tolice,
me diga
quem cometeu
essa sandice,
diga quem disse
essa doidice,
se foi Alah ou Alice,
se foi Dante ou Beatrice
quem disse.
foi Maomé, foi Ulisses,
me diga quando,
e aonde,
se foi James Dean,
ou James Bond
quem proferiu
tal maluquice.
me diga
como quem crê
em crendice,
quem foi que disse,
ou ainda insiste
em dizer que você

existe.

poesia: mister m
foto: Mauricio Ambar

sexta-feira, 27 de junho de 2008

A língua girava no céu da boca

A língua girava no céu da boca. Girava! Eram duas bocas, no céu único.
O sexo desprendera-se de sua fundação, errante imprimia-nos seus traços de cobre. Eu, ela, elaeu.
Os dois nos movíamos possuídos, trespassados, eleu. A posse não resultava de ação e doação, nem nos somava. Consumia-nos em piscina de aniquilamento. Soltos, fálus e vulva no espaço cristalino, vulva e fálus em fogo, em núpcia, emancipados de nós.

A custo nossos corpos, içados do gelatinoso jazigo, se restituíram à consciência. O sexo reintegrou-se. A vida repontou: a vida menor.

Extraído do livro "O amor natural", Editora Record – RJ, 1992, pág. 29.
por.: Carlos Drummond de Andrade
ilustração: Caco Xavier

domingo, 22 de junho de 2008

[...]




nunca quis ser freguês distinto
pedindo isso e aquilo
vinho tinto
vinho tinto
obrigado
hasta la vista

queria entrar
com os dois pés
no peito dos porteiros
dizendo pro espelho
- cala a boca
e pro relógio
abaixo os ponteiros



p.leminski
foto: @gonçalves

terça-feira, 17 de junho de 2008

Tempo de menino

Ainda me lembro que no tempo de menino
Achava lindo quando era São João
Numa palhoça, um sanfoneiro animado
Puxava o fole entoando uma canção

A molecada se juntava no terreiro
E, mesmo sem dinheiro não faltava diversão
Brincar de pega, de esconder, de cabra-cega
Pular fogueira, pau-de-sebo ou garrafão

Dançar quadrilha era tudo que eu queria
Mas era novo e não sabia dançar, não!
Então ficava observando, abestalhado
Atordoado com a beleza de um balão

Naquele tempo a meninada inocente
Ficava a gente admirado com o clarão
Que deslizando pelo céu piscava longe
Alimentando aquela doce ilusão

Quando a quadrilha terminava era de dia
Toda Maria encontrara seu João
Agora fico revirando o pensamento
Volto no tempo e não contenho a emoção.


poesia: Suelyton Melo
foto: Kiko Neto

domingo, 15 de junho de 2008

Hoje

Hoje, eu preciso de um impulso para o amanhã.
Uma notícia, uma visita, uma pessoa. Algo que me faça lembrar que estou vivo. Que me faça lembrar que existe o amanhã.
Hoje eu preciso sorrir. Ter motivos para estar feliz, dar uma boa gargalhada. Algo que me faça lembrar que existe felicidade.
Hoje eu preciso perceber. Ter noção do tempo e do espaço. Saber que não sou luz. Perceber que sou um corpo que sente e toca.
Hoje eu preciso de liberdade. Preciso sair de casa. Respirar um ar livre. Preciso saber que o mundo existe e maior que ele um grande espaço.
Hoje eu preciso descansar. Sentar e ver. Deitar e sonhar. Acalmar.
Hoje eu preciso pensar. Elaborar o próximo minuto, a próxima hora. Ter em mente como vai ser o depois.
Hoje eu preciso conseguir. Talvez perder. Mas uma única vez ser o vencedor. Ter glória e ser reconhecido.
Hoje eu preciso sonhar. Estar em um local psicodélico. Se sentir fora de mim. Fora daqui.
Hoje eu preciso de amor. Preciso ser amado. Preciso saber que nesse mundo grande e ao mesmo tempo pequeno existe uma pessoa que gosta de mim.
Hoje eu preciso e preciso mais do que nunca de você. Pois ao seu lado eu não preciso de um impulso, não preciso sorrir, não preciso perceber, não preciso estar livre, não preciso descansar, pensar, conseguir, sonhar.

Só preciso do amor.
Só preciso de você.
Somente você.
E nada mais...


[...] aiaiai cabecinha louca a minha [...]
foto: Deyvis Malta

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Retiro

Quando o mar, meu confidente,
Empresta o sal à brisa fresca da manhã.
Eu deixo passos fundos na areia branca

Quando a brisa, minha companheira,
Provoca o vai-e-vem das ondas.
Eu miro o sol que brilha sobre nós

Quando o sol, meu defensor,
Mergulha em nuvens para não me enrubescer.
Eu sinto o véu de água sob os pés

Quando a água, minha namorada,
Alisa a areia provocando espuma.
Eu logo mudo a trajetória evitando as ondas

Quando a areia, minha delatora,
Revela o novo rumo que tomei.
Eu busco segurança sobre as pedras

E, quando as pedras, meros figurantes,
Acatam os fortes golpes das ondas do mar.

Eu deito e fico contemplando as nuvens.
poesia: Suelyton Melo

domingo, 8 de junho de 2008

temporão

hoje
eu vou
mudar de ares

vou
colorir
os colares

hoje
eu vou
quebrar o clima

dar
um tapa
na solidão

hoje
é dia
de faxina

aqui no meu porão


poesia: mister m
foto: antonio costa

terça-feira, 3 de junho de 2008

curta esse curta

esse filme não tem replay,
só vai passar uma vez
na frente da sua janela.
corra enquanto é tempo,
cinzas na boca do vento,
esse filme não vai deixar.
ponha seu vestido francês,
faça um coque no cabelo,
que esse filme, para vê-lo,
é preciso tal elegância,
como naquele filme inglês,
que você viu certa vez
lá nos meados da infância.
corra enquanto é tempo,
cinzas na boca do vento,
esse filme não vai deixar.
ponha um cravo na lapela
dessa sua janela sem cor,
capriche naquele perfume,
que encanta até vagalume
com o doce do seu olor.
e assim, preste a atenção,
para não cometer engano,
naquela cena de emoção,
sou eu o ator principal,
que acena e diz
eu te amo.


poesia: mister m
foto: Pedro Monteiro

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Mah e o tempo

bom é lembrar
que o mar
está sempre lá...

ah! os tempos de mah,
nostalgia...
satisfaz recordar
que há mah é viver,

frustrante perceber,
e agora avaliar,
o quanto eram bons,
encontros
em mesa de bar.

para Maria

poesia: thi e zé

foto: Pedro Casquilho

quinta-feira, 29 de maio de 2008

corpo seguro

ontem
choveu como
se fosse maio

e como se
não fosse
parar jamais

até choveu estrelas
para alegria
dos casais

só chove assim
quando eu caio,

tu cais.


Poesia: Mucio Góes
Foto: pedro casquilho

domingo, 25 de maio de 2008

papel passado

houve um tempo
em que nossas lembranças
eram incríveis,
lembrávamos um do outro,
éramos infalíveis.

hoje a nossa memória
anda carente de indícios,
as cartas que um dia trocamos
não passam de vestígios
fenícios.

poesia: mister m
foto: Emanuel Amaral