quarta-feira, 5 de outubro de 2011

POESIA NÃO SERVE PRA NADA

Li o seu futuro na borra de café. E eu não estava lá.

Poesia não serve pra nada.
Se não é dedutível no imposto de renda, não existe.
Meu contador é quem disse.
Não é commodity. Não tem valor de face. Nem quando é sua a cara impressa no papel moeda.
É sacrifício sem redenção. É a redundância do 'pra sempre não'.
Não é feijão com farinha. Não enche barriga. Embora possa, sim, alojar-se feito lombriga no interior de quem crê.
Creia.
Em mais esse placebo.
Num deus que largou o emprego e abriu um bar.
Poesia não serve pra nada.
É ponte suspensa no ar. Caminho pra lugar nenhum.
Por que mudar o curso de um rio que já secou? Se quer ver transbordar fantasmas, eis me aqui.
Poesia não serve pra nada.
É como um eco solitário que se expande aborrecido e sem propósito. É o infinito vulgar. O tédio em seu estado mais puro.
Poesia não serve pra nada.
Você não veio.
Mas é setembro. E em setembro eu fico burro.
Burro feito um cão.
Vou tentar uma segunda invenção- um parangolé da minha alma urbana.
Quem sabe você não me confunde com alguém bacana.
E me chama pra dançar.
Poesia não serve pra nada.
– Vai ser Romeu pras tuas negas - você não disse, mas, talvez, tenha pensado.
Desastrado.
Não quer ser musa?
Pior seria sereia muda.
Não obstante, esse meu mau momento, você ainda é o enredo.
Não leia nas entrelinhas.
Está tudo claro, com seu sujeito, verbo e predicado.
E as instruções estão no verso que eu te escrevi.
A primavera basta.
Poesia não serve pra nada.
Hieróglifos para o coração. Caverna decorada por emoticons.
Não a luz que entra pela fresta da janela, mas a própria fresta.
Ponto cego.
Esmola que eu não pedi. Moeda jogada no meu chapéu.
Pobreza, não. Miséria.
O motivo da minha cabeça oca. A sorte dos seus pés de vento.
Ferrugem que o tempo deixa como herança. Espólio da separação entre aquilo que se quer dizer e aquilo que conseguimos, com muito custo, espremer.
A limonada dos fracos.
Poesia não serve pra nada.
Não é cobertor. Não é professor. Não tem ciência, nem engenharia. Muito menos anfetamina. Se me faz perder o sono, a culpa é minha. Você não vem mesmo. Já entendi, já entendi...
Poesia não serve pra nada.
Pó no antiquário do futuro.
Tosse seca.
Ácaro no sofá sem dono.
Disco riscado girando canções sentimentais no gramofone da memória.
Pule essa faixa.
Poesia não serve pra nada.
Não é a cura de coisa nenhuma.
Pura indigência. O trapo dos dias ruins (e bons também).
Não insista, niilista.
Poesia não serve pra nada.
Tente construir uma ponte, levantar um muro, erguer uma obra qualquer. Ser estátua em dia de chuva ou derreter no calor?
Você tem razão. Sou apenas mais um charlatão.
Não sei ser útil.
Poesia não serve pra nada.
Ou talvez
Mas muito talvez
Tenha algum propósito escuso, como esse absurdo que é gostar de você.
Poesia não serve pra nada.
Alguém em algum lugar será feliz para sempre.
Não eu.
Lembra?
Eu li o seu futuro inteiro na borra do café.
Eu sei o que vai acontecer.

(por Gilberto Amendola)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

É...

‎"A razão pela qual dói tanto nos separarmos é porque as nossas almas estão ligadas. Talvez sempre tenham sido assim e para sempre serão. Talvez, tenhamos vivido mil vidas antes desta, e em todas elas tenhamos nos encontrado. E, talvez, em cada uma delas tenhamos sido obrigados a nos separar pelos mesmos motivos. Isso significa que esta despedida é, ao mesmo tempo, um adeus pelos últimos dez mil anos e um prelúdio do que virá.
Quando olho para você, vejo a sua beleza e seu encanto e sei que ficaram mais fortes a cada vida que você viveu. E sei que passei todas as vidas, antes desta, procurando você. Não alguém como você, mas você, porque a sua alma e a minha têm de estar sempre juntas. E assim, por alguma razão que nenhum de nós dois entende, fomos forçados a dizer adeus.
Eu adoraria dizer que tudo vai dar certo para nós, e prometo fazer tudo que eu puder para que isso aconteça. Mas se mais voltarmos a nos encontrar, e se isto for verdadeiramente uma despedida, sei que nos veremos em outra vida. Nós nos encontraremos de novo, e talvez até lá as estrelas tenham mudado, e então nós nos amaremos, não só naquele momento, mas por todas as vidas que tivemos antes."


(Nicholas Sparks em: Diário de uma Paixão)
(Foto: Bárbara Costa)

terça-feira, 29 de março de 2011

Nosso Estranho Amor

Não quero sugar todo seu leite

Nem quero você enfeite do meu ser
Apenas te peço que respeite
O meu louco querer
Não importa com quem você se deite
Que você se deleite seja com quem for
Apenas te peço que aceite
O meu estranho amor

Ah! Mainha deixa o ciúme chegar
Deixa o ciúme passar e sigamos juntos
Ah! Neguinha deixa eu gostar de você
Prá lá do meu coração não me diga
Nunca não

Teu corpo combina com meu jeito
Nós dois fomos feitos muito pra nós dois
Não valem dramáticos efeitos
Mas o que está depois

Não vamos fuçar nossos defeitos
Cravar sobre o peito as unhas do rancor
Lutemos mas só pelo direito
Ao nosso estranho amor


Caetano Veloso
Foto: Luiz Machado

segunda-feira, 14 de março de 2011

Tá bom então
Segue teu rumo, faz o que tiver que ser feito
E pra me deixar aqui, inventa qualquer desculpa
Aumenta os meus defeitos.


Diz que eu não presto
Ou que não sirvo...
Ou melhor...
Diz a verdade, porra!
Você nunca quis nada demais comigo.


Vai embora e vive esse teu amor
Que mal chegou
Já te levou e te virou do avesso
Vai...vai...que isso é só o começo...


Lá pelo "meiar" da história você vai lembrar de mim
Agora não, só quando a paixão se despedir
Aí sim...Você vai lembrar daqui,
Você vai lembrar de mim....


Você vai querer tudo que eu te fiz
Mas não vai querer voltar pra mim
Você vai querer que eu esteja aí
Estando aqui...é...
Dá até vontade de rir...


Aí quando a paixão se esvair
E restar apenas a verdade
Aí sim, você vai sentir saudade
E a outra parte, se parte, se vai


Aí meu bem...
"Foi triste"
Vai ver que viveu o que não existe
E o que era verdadeiro, você deixou
Por derradeiro...


Corre meu bem
Ainda dá tempo...
To juntando as coisas
Mas ainda tô no apartamento.


“Já já” não vai dar tempo,
E tempo voa
Corre meu bem
Não tenho muito tempo
Pra ficar a toa...


Aline Amorim

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

OH! LINDA DEMAIS

Tem dias que a vida parece nos limitar as possibilidades. É como se alguma espécie de anjo, arcanjo, secretário, força ou afins agisse num determinado esforço que nos paralisa. Quer saber? Até uma dorzinha de cabeça parece que vem a propósito. A cama parece grudar nas costas, e não há programa que nos sacie. Se o camarada gosta de algo, por exemplo, uma comida. Se o sujeito é louco por pizza, e se estiver dias sem comer é capaz de rejeitar a mais apetitosa.

Ele decidiu aceitar passivamente a situação.

O roteiro cama/cozinha já estava saturado. Na TV o tal Big Brother nunca foi sua praia. Abriu uma cerveja, ligou o computador, e logo viu na caixa de entrada alguns e-mails de propaganda. Embalado pelo clima, sentiu-se bastante desimportante e desligou a máquina.

Jogado no sofá, copo na mão, ligou o som. No rádio Lenine cantava Paciência, e antes do fim da canção, ele adormeceu. De repente um sonho. Um sonho agradável. Numa ruela de Olinda um bloco, um bloco só de mulheres, muitas, e ele no centro de tudo, fascinado com aquela visão. Todas elas usavam máscaras, e todas as máscaras eram iguais. Em vão, tentava descobrir seus rostos, mas sequer conseguia tocá-las. Esfregava os olhos, parecia um sonho, e agora todas elas eram Colombinas, e dançavam em sua volta, até que uma delas se aproximou, mostrou o rosto, e lhe deu um rápido beijo antes de sumir no ar.

Acordou. Atordoado trocou de roupas pensando no que sonhou.

O telefone! Uma amiga chamando para uma volta na cidade. Olinda sempre foi um convite interessante, imagina às vésperas do carnaval. Meio a contragosto resolveu aceitar e lá se foi sem esperanças de melhorar o dia.

Fulano havia dito a sicrano de um show de não sei quem, não sabia bem aonde, mas que seria legal. E lá foram os dois conversando ruas afora até que acharam o local, pero, atrasados. Sem show, nem vela, rumaram para o Carmo, tomar umas cervejas num dos barzinhos da região. Foi ali, na companhia da amiga e de mais outra amiga, essa, amiga da amiga. De cara percebeu que a amiga da amiga era do tipo que ninguém quer como inimiga. Lembrou-se nunca ter conhecido uma mulher que usasse peruca. E não é que ela fica uma graça com suas melenas negras? Deu-lhe certo ar de menina, meio moleca, sapeca. Lembrou que lera nalgum lugar sobre o “perigo” que meninas podem representar, como verdadeiras ‘smart-bombs’. Mas, como falou Freud, quem sai na chuva é para se queimar.

Conversas, sorrisos, cervejas e olhares, não necessariamente nessa ordem, fizeram correr os ponteiros. Depois das despedidas, já em casa, na cama, buscando o sono. Uma imagem, ou melhor, um rosto lindo no horizonte limitado do quarto escuro. Dois olhos castanhos, o largo sorriso, aquela doçura. O resto da noite correu, e no quarto escuro, ele e o teto.

Pulou da cama para o chuveiro. Tinha marcado almoçar com elas, já que domingo não deve ser apenas aquele dia chato em que ficamos em casa pensando porque domingos são sempre tão chatos. Depois do almoço, e de ter prestado mais atenção na moça que na comida, - ela agora sem a peruca, com seu cacheado castanho ainda mais bela - saíram para bater pernas. Olinda às vésperas de momo vira um só bloco, basta abrir a porta e uma troça carrega o sujeito ladeira abaixo. Mas, em se tratando de carnaval multicultural, nada de se estranhar ao encontrar um trio de forró numa esquina marcando o ritmo.

E foi assim, num forró em fevereiro, num barzinho em Olinda que de repente um sonho, num desses dias que a vida parece nos limitar as possibilidades; um beijo mostrou a um cara entediado que qualquer domingo fica lindo com aquela moça por perto, e sorrindo.


Baseado em fotos reais


Múcio Góes.
Foto: Rodrigo Dias

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

mar & cia

de calmaria
a mar revolto
numa semana


se a sorte
não me engana
é você
quem me oceana


Título do Primo e Poesia do Irmão.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

A Solidão e Sua Porta


Quando mais nada resistir que valha
a pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(nem o torpor do sono que se espalha)

Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
e até Deus em silêncio se afastar
deixando-te sozinho na batalha

Arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório
e de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.


Carlos Pena Filho
Foto: José Maria de Carvalho