quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Mauricio

Maurício andava cabisbaixo, a divagar frente à televisão. Ao fim do telejornal mal sabia a previsão do tempo lá fora, e tampouco dava conta do nevoeiro interior que estava por vir; nem notava o novo cabelo da apresentadora, ou seja, estava ali o seu corpo, como numa missa de corpo presente, mas a essência vagava por mundos insólitos. Já não assistia aos seus programas preferidos, e futebol nem pensar. Maurício, de longe não era mais o mesmo. No trabalho fora chamado à sala do chefe por motivo de atraso e desatenção. Os colegas incrédulos assistiam àquilo sem compreender nada. Diziam pelos cantos que o amigo poderia estar padecendo de algum mal, mas sequer tentavam falar com ele, que fechado em copas estava desde então. Sorriso naqueles lábios era coisa rara, exceto algum esboço perdido, desses de quem lembra de algo bom no meio de um pensamento qualquer. Mas, bastava ser percebido por alguém, e ele logo fechava a cara. Semblante duro, sisudo tal qual um inglês, este era o Maurício da vez. No refeitório era um lanchinho e só; não se demorava, e no cafezinho nem mais pisava. Virara um avesso a conversas de todo tipo, e sobre trabalho apenas o essencial. À noite em casa, vinha o suplício, após “não” ver televisão ia deitar-se, leia-se literalmente. Deitava sim, mas o cérebro não mais reconhecia essas informações: noite, deitar, dormir. Rolava na cama de olhos no teto. A calma só chegava quando então ele passava a recapitular os melhores momentos vividos ao lado dela. Pois é, os colegas de trabalho mal imaginavam, mas o jovem Maurício andava a perder-se loucamente em pensamentos pela doce D... bem... o rapaz era muito discreto nesse ponto. Nesse momento o seu corpo entrava num estado de paz, e o rolar característico dos insones sumia. E lembrava de tudo, entre gestos, palavras, olhares, e até o seu cheiro; e fechava os olhos num devaneio sem fim. Criava no imaginário uma espécie de mundo perfeito onde a felicidade era a tônica principal. Ali, naquele lugar que só ele conhecia, além de sua amada, aconteciam as mais belas histórias de um amor sem par. Perdido naquele mundo o jovem esquecia do tempo e seu corpo experimentava as sensações mais puras de um grande amor vivido na plena perfeição. Mas..., a vida insiste em seguir seu curso, e sóbria, e logo ele via que tudo aquilo era sonho, e ao despertar, ao dar de frente com a realidade no escuro do quarto, vinha a lança afiada da verdade e ele sentia assim a mais cruel fisgada no peito, a dor lancinante do amor a sós, amor unilateral, do amor impossível. A lágrima era a véspera do choro compulsivo e silencioso; abafado entre mãos, como a se esconder de si mesmo. Maurício seguia assim até ser vencido pelo sono, e na mais infame das ironias, ao dormir sequer conseguia sonhar com ela...