quarta-feira, 4 de novembro de 2009

quando um dia passa em dois

tão longe, tão perto,
tudo tão e tal.
meu horizonte logo ali,
em qualquer esquina
do espaço sideral.
eu supra, eu sumo,
adeus ao rumo,
ao remo, à rima.
e nada mais
será nada mal,
se tenho você,
estrela, brilhando
no céu do meu quintal


m.
photo: Falésia Marinho

domingo, 1 de novembro de 2009

diz querer

diz que me diz
que nem tudo
está por um triz,
me engana
que eu gosto,
e se for o caso
até aposto,
pago pra ver
teu show, teu bis,
então diz,
diz que me diz,
conta até cem,
traça algum plano,
me livra do dano,
e depois vem,
assim como tal,
assim como quem,
faz carnaval
do meu ninguém,
a Olinda mais linda
que tem,
e depois vem,
diz que me diz
que tudo será
como eu sempre quis,
tudo tão e quão,
tudo tão e bem,
então diz,
diz que me quer
que eu digo amém.


m.
photo: Carla Isabel Amaral Nascimento
nome da foto? hahaha.. é o que eu hoje vejo.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Lou-cura

Quero
viver a loucura
em toda sua ternura.
Viver com bravura
a captura
da parte tua mais
pura,
onde a doçura
perdura.
Tocar com candura
a tua partitura, até
quem sabe
encontrar minha

cura.


m.
photo: Stacy Fernando Aragão Lima

pra ela, que me deu uma forcinha..

sábado, 17 de outubro de 2009

Pra Que Chorar

Pra que chorar
Se o sol já vai raiar
Se o dia vai amanhecer
Pra que sofrer
Se a lua vai nascer
É só o sol se pôr
Pra que chorar
Se existe amor
A questão é só de dar
A questão é só de dor

Quem não chorou
Quem não se lastimou
Não pode nunca mais dizer
Pra que chorar
Pra que sofrer
Se há sempre um novo amor
Em cada novo amanhecer



Vinicius de Moraes
photo: Reynaldo Monteiro

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Mauricio

Maurício andava cabisbaixo, a divagar frente à televisão. Ao fim do telejornal mal sabia a previsão do tempo lá fora, e tampouco dava conta do nevoeiro interior que estava por vir; nem notava o novo cabelo da apresentadora, ou seja, estava ali o seu corpo, como numa missa de corpo presente, mas a essência vagava por mundos insólitos. Já não assistia aos seus programas preferidos, e futebol nem pensar. Maurício, de longe não era mais o mesmo. No trabalho fora chamado à sala do chefe por motivo de atraso e desatenção. Os colegas incrédulos assistiam àquilo sem compreender nada. Diziam pelos cantos que o amigo poderia estar padecendo de algum mal, mas sequer tentavam falar com ele, que fechado em copas estava desde então. Sorriso naqueles lábios era coisa rara, exceto algum esboço perdido, desses de quem lembra de algo bom no meio de um pensamento qualquer. Mas, bastava ser percebido por alguém, e ele logo fechava a cara. Semblante duro, sisudo tal qual um inglês, este era o Maurício da vez. No refeitório era um lanchinho e só; não se demorava, e no cafezinho nem mais pisava. Virara um avesso a conversas de todo tipo, e sobre trabalho apenas o essencial. À noite em casa, vinha o suplício, após “não” ver televisão ia deitar-se, leia-se literalmente. Deitava sim, mas o cérebro não mais reconhecia essas informações: noite, deitar, dormir. Rolava na cama de olhos no teto. A calma só chegava quando então ele passava a recapitular os melhores momentos vividos ao lado dela. Pois é, os colegas de trabalho mal imaginavam, mas o jovem Maurício andava a perder-se loucamente em pensamentos pela doce D... bem... o rapaz era muito discreto nesse ponto. Nesse momento o seu corpo entrava num estado de paz, e o rolar característico dos insones sumia. E lembrava de tudo, entre gestos, palavras, olhares, e até o seu cheiro; e fechava os olhos num devaneio sem fim. Criava no imaginário uma espécie de mundo perfeito onde a felicidade era a tônica principal. Ali, naquele lugar que só ele conhecia, além de sua amada, aconteciam as mais belas histórias de um amor sem par. Perdido naquele mundo o jovem esquecia do tempo e seu corpo experimentava as sensações mais puras de um grande amor vivido na plena perfeição. Mas..., a vida insiste em seguir seu curso, e sóbria, e logo ele via que tudo aquilo era sonho, e ao despertar, ao dar de frente com a realidade no escuro do quarto, vinha a lança afiada da verdade e ele sentia assim a mais cruel fisgada no peito, a dor lancinante do amor a sós, amor unilateral, do amor impossível. A lágrima era a véspera do choro compulsivo e silencioso; abafado entre mãos, como a se esconder de si mesmo. Maurício seguia assim até ser vencido pelo sono, e na mais infame das ironias, ao dormir sequer conseguia sonhar com ela...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Mundo é Um Moinho

Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que iras tomar

Preste atenção querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho.
Vai reduzir as ilusões à pó

Preste atenção querida
Em cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavastes com teus pés

Composição: Cartola
Photo: Isis

sábado, 8 de agosto de 2009

quem viver, verão...

é, amor,
vai que seja de repente,
um hoje
assim como hoje,
eternamente,
nós dois frente a frente,
bem rente,
mais do que normalmente.
então, amor,
tente,
traga os cabelos
que eu tenho o pente;
pra distrair
o seu olhar,
uma lua cheia
e um sol poente.
venha, amor,
como se entra no mar,
entre;
de olho no olho,
dente no dente,
e as noites frias
se farão mais quentes,
enquanto inverna lá fora,
outros verão
dentro da gente.


m
photo: Gisleine Martin

domingo, 24 de maio de 2009

876

não há milagre
que eu faça
com mais carinho,

que esse
de transformar
mágoa em vinho.


Múcio Góes
photo by samuel alves.

876 é um vinho argentino, e muy bueno

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Inutilidades

Ninguém coça as costas da cadeira.
Ninguém chupa a manga da camisa.
O piano jamais abana a cauda.
Tem asa, porém a xícara não voa.

De que serve o pé da mesa se não anda?
E a boca da calça se não fala nunca?
Nem sempre o botão está em sua casa.
O dente de alho não morde coisa alguma.

Ah! se trotassem os cavalos do motor ...
Ah! se fosse de circo o macaco do carro ...
Então a menina dos olhos comeria
Até bolo esportivo e bala de revólver.


José Paulo Paes
foto: Paulo Cardoso

domingo, 19 de abril de 2009

peace to face

é como
se ali
tudo se alasse
e o silêncio
tudo gritasse
e tudo
que é flor
se beijasse
e tudo
que é dor
se passasse
ao
toque
da minha
na tua

face


é assim Nati.. quando toco tua face!
beijo, princesa. Amo você!

foto: Mark Freedom
m.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

[.]

basta um galhinho
e vira trapezista
o passarinho


Alice Ruiz
foto: Max Machado

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

[...]

cansei de procurar
a pessoa certa.
agora
eu sou o alvo,
vamos ver
qual pessoa acerta.

m.
foto: Luis Miguel Ines

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Todo carnaval tem seu fim

Era terça-feira, e o carnaval já apontava seu rumo para aquela hora ingrata, naquele mar onde todas as alegrias deságuam. A confusão sonora era inevitável àquela altura na Rua do Bom Jesus, com o desfile dos blocos, o chacoalhar característico dos caboclos de lanças do Maracatu, as vozes dispersas que se cruzavam ouvidos a fora. O cheiro de suor e álcool inebriante no ar, apenas prolongava a vontade de não mais sair dali. Sentado à beira da calçada, num breve momento de descanso, ele apoiava a cabeça entre os joelhos como se nela morasse todo o peso do mundo. Sacou da peruca black power, passou a mão na cabeça que ainda estava quente, mesmo com o sol já se havendo retirado do palco, e no céu, as estrelas mais ávidas já assistirem sorridentes aos últimos momentos da festa. Ficou ali uns cinco minutos. Alheio a tudo em sua volta.


Lentamente, como quem acorda, voltou à cena que os olhos estranharam, muito mais por culpa da bebida, esta que logo tratou de tatear à sua esquerda na calçada mesma em que estava. Sorveu um gole rico do líquido que trazia ali desde cedo. Com a costa da mão direita enxugou o pouco que escorreu da boca. Tentou levantar, em vão, voltou à posição inicial. Deu-se então um daqueles intervalos entre um bloco e outro, no que diminuiu o fluxo de foliões, e facilitou uma visão mais ampla do que havia por perto. Foi aí que ele olhou numa linha reta à sua frente, exatamente na outra calçada, sentada na mesma posição, uma mulher normal. Olhou para ela mais pela coincidência da posição que por outro motivo, ou atrativo. Achou engraçado que naquela confusão de gente, duas pessoas houvessem tido a mesma vontade de sentar, em posições e momentos idênticos, e, milimetricamente colocadas frente a frente. E não apenas isso, posto que guardavam suas bebidas no mesmo lado na calçada. Num estalo, ambos deram conta do fato, e um inevitável sorriso simultâneo brotou nos lábios separados pelos paralelepípedos da Rua do Bom Jesus.

Levantaram-se ao mesmo tempo. Sorrindo deram o primeiro passo em direção ao outro, e mal perceberam uma troça relâmpago que vinha da Praça do Arsenal, e não deixou que os dois espelhos se tocassem. Num minuto foram levados contra vontade para lados opostos de braços esticados como se dessem sinal de onde estavam, e seguiram tragados pela multidão, olhando à toa de ponta de pé na suposta direção onde estaria o outro. O turbilhão seguiu a rua como um mar de alegria e sons. Os espelhos foram juntos desaguar no Marco Zero. Ele àquela altura, ansioso. Ela desesperada. Na multidão dispersa no amplo espaço do local, eles se transformaram em olhos, buscando um ao outro, e já pensando que o jogo de gestos idênticos era coisa do destino.

Mais de uma hora depois, ninguém havia se reencontrado, e tristes, cada um sentou no muro do cais, onde outros foliões também estavam. E vendo o mar ficaram, cada um com seu pensar, com seu “por que?” ecoando na cabeça. Porém, folião bom não descansa, e os que pousavam no cais alçaram vôo, e deixaram os tristes a pensar na vida. Foi aí que ele, no afã de tatear mais um trago, olhou à sua esquerda e deu com ela girando a cabeça à direita no mesmo instante. Sorriram juntos. Levantaram-se novamente, e livres dos empecilhos ficaram enfim mais próximos. E ela viu sua barba rala com defeitos, e ele viu que seus olhos eram verdes, e que ela tinha sotaque do sul. Ela aceitou seu convite para voltar à folia, e ele pegou na sua mão fria e trêmula. Seguiram como se fossem antigos namorados. Pularam juntos o resto daquela noite mágica. Beijaram-se e beberam da mesma bebida. E quando a última estrela, triste, ensaiava a despedida ante os primeiros raios da quarta-feira, eles voltaram ao ponto onde tudo começou, deram um último e longo beijo, e cada um seguiu seu caminho na sua calçada.

m.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Cântico

Não, tu não és um sonho, és a existência
Tens carne, tens fadiga e tens pudor
No calmo peito teu. Tu és a estrela
Sem nome, és a namorada, és a cantiga
Do amor, és luz, és lírio, namorada!
Tu és todo o esplendor, o último claustro
Da elegia sem fim, anjo! mendiga
Do triste verso meu. Ah, fosses nunca
Minha, fosses a idéia, o sentimento
Em mim, fosses a aurora, o céu da aurora
Ausente, amiga, eu não te perderia!
Amada! onde te deixas, onde vagas
Entre as vagas flores? e por que dormes
Entre os vagos rumores do mar?
Tu Primeira, última, trágica, esquecida
De mim! És linda, és alta! és sorridente
És como o verde do trigal maduro
Teus olhos têm a cor do firmamento
Céu castanho da tarde - são teus olhos!
Teu passo arrasta a doce poesia
Do amor! prende o poema em forma e cor
No espaço; para o astro do poente
És o levante, és o Sol! eu sou o gira
O gira, o girassol. És a soberba
Também, a jovem rosa purpurina
És rápida também, como a andorinha!
Doçura! lisa e murmurante... a água
Que corre no chão morno da montanha
És tu; tens muitas emoções; o pássaro
Do trópico inventou teu meigo nome
Duas vezes, de súbito encantado!
Dona do meu amor! sede constante
Do meu corpo de homem! melodia
Da minha poesia extraordinária!
Por que me arrastas? Por que me fascinas?
Por que me ensinas a morrer? teu sonho
Me leva o verso à sombra e à claridade.
Sou teu irmão, és minha irmã; padeço
De ti, sou teu cantor humilde e terno
Teu silêncio, teu trêmulo sossego
Triste, onde se arrastam nostalgias
Melancólicas, ah, tão melancólicas...
Amiga, entra de súbito, pergunta
Por mim, se eu continuo a amar-te; ri
Esse riso que é tosse de ternura
Carrega-me em teu seio, louca! sinto
A infância em teu amor! cresçamos juntos
Como se fora agora, e sempre; demos
Nomes graves às coisas impossíveis
Recriemos a mágica do sonho
Lânguida! ah, que o destino nada pode
Contra esse teu langor; és o penúltimo
Lirismo! encosta a tua face fresca
Sobre o meu peito nu, ouves? é cedo
Quanto mais tarde for, mais cedo! a calma
É o último suspiro da poesia
O mar é nosso, a rosa tem seu nome
E recende mais pura ao seu chamado.
Julieta! Carlota! Beatriz!
Oh, deixa-me brincar, que te amo tanto
Que se não brinco, choro, e desse pranto
Desse pranto sem dor, que é o único amigo
Das horas más em que não estás comigo


Vinícius de Moraes

foto: Sergio R. Moskato