
Um belo dia, numa quarta-feira de uma primavera tardia, já passando das sete da noite, eis que surge no portão seu Bal. Devidamente trajado num conjunto de terno branco em linho, gravata da mesma cor, um belo chapéu de Panamá, um cravo na lapela, um lenço todo embebido em água de colônia; cruzou o portão numa mudez gritante, e seguiu a rua imune a olhares e cumprimentos. Incrédulos, os vizinhos o viram dobrar à direita na esquina da rua da Luz com a Visconde Negro, era o baixo meretrício. Lá chegando, foi bem recebido pela dona da casa, que lhe pôs numa mesa confortável e lhe trouxe umas meninas. Seu Bal tomou um gym puro, escolheu a mais novinha e subiu para o quarto. A partir daquele dia, pelos próximos vinte anos, deu-se o ritual das quartas-feiras à noite. O bairro se acostumou àquela cena, e sua passagem no dia tal, já virara até referencial de dia e hora, “hoje é terça ou quarta?”, perguntava-se, “hoje é quarta, seu Bal está vindo ali”, retrucava-se. E sempre o mesmo traje, a mesma elegância, a mesma mudez.
E assim foi, que numa quarta, justo dia 8 de novembro, quando completavam-se vinte anos do passamento de dona Henriqueta; seu Bal cruzou o portão. Seguiu o trajeto em sua segurança inquebrantável, como um autômato, dobrou na Visconde Negro, entrou no lupanar, tomou seu gym, pegou pelo braço a menina mais nova, e seguiu para a alcova mesma, desde a primeira vez. Despiu-se no escuro como sempre fizera, e no mesmo breu, fez ali o seu amor de plástico, e gozou como nunca havia, e virou-se pro lado, e ainda ofegante cochilou, e do cochilo refazedor enveredou pelo sono pesado, e do sono ao sonho foi um pulo, e lá, no portão da casa do sonho, estava Henriqueta, de mãos estendidas a sorrir, e ele sorriu, e em passos tétricos foi até ela, se abraçaram, e depois de um longo beijo seguiram pela rua da Luz e nunca mais foram vistos.
texto: m
foto: Paulo Cezar
Um comentário:
nossa que lindo!
"...e depois de um longo beijo seguiram pela rua da Luz e nunca mais foram vistos."
(L)
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