sexta-feira, 28 de março de 2008

como janeiros à beira-mar



Acordou mais cedo que de costume àquela manhã. A passos tétricos arrastou-se até a porta da casa mesma em que nascera. Sentiu ausente o arfar do peito que o fumo lhe imprimira nos últimos anos. Respirava lento e calmo, como já fora um dia, e lembrou-se o quanto fácil era ser jovem. O modo autômato como levantou-se fez com que não percebesse de imediato que as dores de velho haviam ficado mais um pouco no colchão àquela manhã. Pisou mais firme no chão. O pé direito cujos ossos foram feridos de guerra sequer deu sinal de dor, a lembrança dos dias em combate lhe doeu bem mais. Sorriu por dentro, como todo casmurro. Mais um passo para fora e já era jardim. Desceu o batente, e teve os olhos ofuscados pelo sol que aquele janeiro fazia. Coisa de se estranhar. Pensou. Janeiros à beira-mar são mais molhados. O pequeno jardim parecia lhe sorrir mais que o normal. Viu num beija-flor que ali fazia vida, algo mais que poesia; era algo na leveza, nada de que quisesse invejar. Mas acalentou no peito mudo o desejo de fazer o mesmo. Voar? Percorreu o terreno com facilidade, e agora observava a velha casa de frente, como quem chega. Foi aí que se deu conta de algo, e resmungou palavras soltas no afã de quebrar aquele silêncio. Aquilo só podia ser coisa de domingo. Vizinhos na missa. Crianças na cama. Pensou.Sentiu-se mais leve, arriscou passos outros, menos breves. Conseguiu. Sorriu com a mão cobrindo a boca, num jeito traquino, diria quem visse. E se pulasse? Coisa pouca, pulinho bobo. Será? Pulou. Pulinho bobo, mas pulou, diria quem passasse perto. Sorriu sem disfarces. Tossiu num gesto falso, por força do hábito, e deu por ausente a dor dos pulmões. Começou a dar por estranho cada fato. Achava tarde para ser credor de milagres, até porque nunca vira Deus com bons olhos, cria que o mundo era trabalho demais para um homem só. Vai saber! Pensou. Fato é que aquele domingo amanheceu brincalhão. Foi então que resolveu ousar. Agachou-se rápido, e quando percebeu já estava de pé. Um zap! Gargalhou. Num susto, mirou jardins alheios, mas, ninguém o vira no deslize de uma gargalhada. Decidiu voltar à cama, posto que tudo bem poderia ser sonho. E foi correndo, já que era festa. Outro susto: não era sonho. Gargalhou e deu pulos, era ali, naquela alcova esfumaçada, a verdadeira acepção da palavra felicidade. Dono supremo de toda ela. Já podia até morrer. Pensou. E correu até o guarda-roupas, sacou da última gaveta o abandonado traje de banho, tirou-lhe uma, duas traças, vestiu-se como em mil novecentos e trinta - pela agilidade -, e rumou à praia. Seguiu à direita no final da rua, e sorrindo sem máscaras contemplou o mar azul. Mergulhou e deixou saudades.

texto: m
foto: Alvaro Duarte

3 comentários:

~Menina ~Singular disse...

Tu é o cara!
só fodasticas aqui.

xD

=*

- disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

esse Thi é foda!

cada dia melhor!

[]´s